sexta-feira, 13 de março de 2009

Estar ou não ser?


O verbo "To be" da língua inglesa é comumente traduzido como o mais elementar e essencial de todos: ser/estar. Mas, como podem ver, em inglês não há diferença linguística para dois fenômenos tão distintos. Enquando "ser" denota um estado de existência a priori permanente, o "estar" indica uma condição passageira. É diferente falar "sou doente", e "estou doente"; "sou chato", e "estou chato". Além de permitir uma variedade de expressões, de outro modo impossíveis de se realizar em vários idiomas, comporta em si uma representação verbal da própria forma de se enxergar o mundo e a si mesmo.

Na verdade, seria óbvio que houvesse essa diferença, afinal, era de se crer que o ser humano soubesse diferenciar o ser do estar, o que é do que está sendo. Mas ela simplesmente não existe. E isso me deixou bastante atônito na primeira vez em que percebi essa disparidade inexistente em outras línguas conhecidas.

Claro, alguém pode argumentar, com um recurso deveras filosófico, que o ser nada mais é que a permanência prolongada do estar, de maneira que o estar é permanente, e o ser, inexistente, pois a idéia é que a matéria é mudança constante e infinita, e jamais será a mesma no mesmo local e instante. Mesmo que algo esteja aparentemente imutável e permanente, a níveis quânticos, os elétrons de seus atomos estarão em posição diferente a cada instante, e assim, movimentar-se-á a essência do objeto, fazendo mais com que ele "esteja", do que propriamente "seja".

Certamente é uma contraposição válida, mas no dia-a-dia não nos preocupamos muito com o movimento e o momento dos elétrons na hora da comunicação. Daí, pois, podemos considerar que a diferenciação entre "ser" e "estar" é mais sócio-filosófico que propriamente quântico-filosófico, posto que habitualmente podemos distinguir como "ser" aquilo que o objeto representa de si mesmo a maior parte do tempo visível, ou pelo menos o que cremos que ele seja. Paralelamente, o "estar" formaria um momento intermitente, dentro do qual o objeto não é assim, mas devido a alguma razão, está assim, em dado instante.

Dada a diferença, refletimos: a linguagem é o meio pelo qual organizamos nossos pensamentos sob uma forma inteligível a alguém, e, sendo inclusive o pensamento não raro transposto no idioma que se conhece, ergo, podemos auferir que a linguagem também é o instrumento pelo qual existimos em nós mesmos.

Aí reside o horror da questão: se há línguas - e por consequência - pensamentos que não apresentam diferenças óbvias e extraordinariamente essenciais como ser/estar, que tipo de omissões estará fazendo a língua portuguesa quanto a outros termos, tão ou mais importantes, que existem em outros idiomas, e que simplesmente ignoramos? E, pior ainda, mesmo sem conhecer, provavelmente viveremos o resto de nossas vidas sem maiores transtornos linguísticos por não perceber tais obviedades.

O óbvio certamente tem maneiras complexas de se camuflar na sua própria simplicidade.