segunda-feira, 24 de março de 2008

Jamais serei um gênio

Dediquei-me superficialmente a diversas artes, das simplíssimas às clássicas, mas a habilidade excepcional exige uma fidelidade plena que não posso dar. A genialidade escolhe apenas aqueles que podem se dedicar por completo à sua arte. É como o visionário que enxerga centenas de matizes diferentes de azul, mas ignora por completo a diferença do vermelho para o verde.

Se para alcançar a completude de uma única arte eu precise abandonar todas as outras, então prefiro ser incompleto, mas ainda assim, inteiro.

Jamais serei um gênio.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Da Fenomenologia do Julgamento

1. Considerações

Julgar algo é lançar sobre determinado objeto um juízo de valor estabelecido antes (pré-juízo) ou depois (pós-juízo) de se tomar conhecimento deste objeto; é a avaliação das propriedades subjetivamente relevantes do objeto, movida pela necessidade de se adotar uma postura ou conduta específica. É sobretudo uma conjectura, uma suposição, um posicionamento que, diferente dos outros, advem com graus de responsabilidade sobre a conclusão ou resultado do julgamento.

2. Da fenomenologia do julgamento

Julga-se prioritariamente aquilo que já se conhece, mesmo que seja apenas a idéia do objeto. É, a priori, impossível que se julgue um objeto desconhecido, posto que para que haja aplicação da valoração subjetiva deve haver consciência da existência do objeto. Caso o objeto exista de fato, e o observador não o conheça, a condição de inexistência do objeto permanecerá, mesmo que seja um status válido apenas para o observador.

Contudo, sob uma perspectiva ôntica do objeto, e remetendo-nos a certos conceitos fenomenológicos, é impossível julgar o objeto pelo que ele verdadeiramente é, ou seja, a partir de sua natureza ontológica. Desconhecemos a essência do objeto, pautando-nos apenas na interpretação do modo como o objeto normalmente é, ou existe (dasein¹). Dado que a mutação, como característica natural da existência, sujeita tanto objeto quando observador, então um objeto que se julgue agora, em outro período de tempo já não será mais o mesmo, muito menos o próprio julgador, e consequentemente, o julgamento feito já não poderá prevalecer de maneira absoluta.

3. Conclusão

Podemos julgar apenas um determinado estado do objeto, e nunca o objeto em si. Sobre o nosso julgamento incide os conflitos de nossa própria interpretação, encharcada da subjetividade latente do julgador. O modo como o objeto existe e a as turbulências da hermenêutica do julgador se conjugam para construir a realidade, do ponto de vista do observador. A heterogeneidade e interação de realidades constituem o mundo visualizado pela sociedade. A realidade do mundo é uma produção cultural, portanto.

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¹ Ser-a-cada-momento ou de-cada-vez (Heidegger).