sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Uma Saga Chamada Monbusho


Comecemos então do começo.

Primeiramente, é possível encontrar o regulamento para a bolsa do MEXT (ou Monbusho), no site do Consulado Geral do Japão em São Paulo, que já indiquei em post anterior, mas, bem, aqui também tem.

No meu caso em específico, a juridisdição responsável pelo Rio Grande do Norte era o Escritório Consular do Japão no Recife. Sabendo já das regras da seleção e dos procedimentos documentais, desde janeiro de 2010 procurei preparar tudo logo de antemão para não ter problemas. O calendário da seleção em Recife foi como segue:

Abril ~ Maio/2010: período de inscrição. Os documentos deveriam ser enviados pelos Correios até a data de 28 de Maio, se não me engano. O e-mail para questões e requisição de formulários para a inscrição é esse: cjr(*)bs.mofa.go.jp, com @ no lugar do (*). O telefone para contato é (81) 3207-0190.

Junho/2010: período de provas. As provas de idiomas se realizaram exatamente dois dias após o meu aniversário, no dia 7 de Junho. Nessa ocasião, é preciso que o candidato se dirija obviamente até o prédio do Escritório Consular em Recife.

As provas são de inglês e japonês, sendo a nota final definida pela maior nota entre as duas. Para quem não sabe japonês, é possível entregar a prova em branco. As provas de anos anteriores podem ser acessadas a partir do link do Consulado de São Paulo, como apontado já duas vezes nesse blog.

O que pude perceber das provas: você tem uma hora para fazer cada uma delas. A de inglês do ano passado tinha nível aproximadamente de Intermediário-Avançado, enquando que a de japonês foi dividida entre uma parte de nível N4 e outra de nível N3 ~ N2, usando os níveis do Japanese Language Proficiency Test (JLPT ou 日本語能力試験).

Fui à Recife com uma comparsa: Lílian Sólon. Pegamos os mesmos voos e esperamos longos tempos no Aeoroporto Internacional dos Guarapes, chegamos na mesma hora para fazer as provas e tudo o mais. Para quem for fazer a seleção em Recife, recomendamos que fiquem em hotel em Boa Viagem, pois é o bairro onde o consulado está e também muito próximo do aeroporto. De perto da orla (onde fica a maioria dos hotéis) até o prédio Empresarial Center I (o consulado fica no último andar) é cerca de 15 a 20 minutos a pé, então não precisará se preocupar com deslocamento ou atrasos.

Chegando lá vimos já muitos concorrentes esparramados pelo hall da recepção. Ao total acredito que tinha cerca de 25 pessoas, apesar de que apenas duas ou três eram descendentes de japoneses. A questão é que as vagas eram apenas duas, então a competição ia ser acirrada e a prova uma eliminatória fatal.

Nessa etapa, a dica é saber muito inglês, para se garantir e não precisar se preocupar. Para quem for tentar, procure praticar muita leitura, tanto revistas quanto livros e publicações em inglês. Claro que praticar muitas vezes as avaliações anteriores ajuda muito, principalmente pela questão da adaptação ao estilo do exame e ao tempo disponível, que é de apenas uma hora. Além disso, ambas as provas são apenas escritas, então não há necessidade de se preocupar (ainda) com conversação, audição ou redação em inglês/japonês.

Se tiver condições, acredito que deve investir seu tempo no japonês também. A prova não é das mais fáceis, e especialmente em 2009 ela foi destruidora, mas a partir de 2010 ela ficou mais didática de se fazer porque valorizou também os conhecimentos básicos de língua japonesa. A questão é que, bem, caso passe você irá morar no Japão. Ergo, não fara nenhum mal aprender a língua local, primeiro porque isso será um diferencial enorme para a seleção, visto que a grande maioria sabe apenas inglês; segundo porque te ajudará muito a viver por aqui, de verdade. Os japoneses em geral não costumam falar inglês, e uma vez que você não entenda engrish, dificilmente entenderá o inglês que muitos deles falarem. Então aprenda japonês, nem que seja o basicão, porque assim eles entendem seu esforço e se tornam ainda mais corteses quando tentar se comunicar com eles. Na época, eu já tinha quatro anos de japonês nas costas (a duração do curso básico, nem se enganem) e nível N4 no JLPT e fiquei muito contente ao ver que conseguia fazer muita coisa na prova.

Exatamente uma semana depois fui comunicado por e-mail e por telefone que havia sido selecionado para a segunda fase (YEY). Não estava esperando muito, mas aproveitei a chance para relaxar um pouco mais, pois agora seria entrevista no dia 18 de Junho.

Dessa vez fui sozinho para Recife num bate e volta onde fiquei morando muitas horas no aeroporto (que com laptop e wi-fi passaram voando). Dessa vez apenas quatro haviam sido selecionados, e eu fui o primeiro na lista para a entrevista.

A mesa era composta pelo cônsul, uma senhora que aparentemente era psicóloga e um professor universitário descendente de japonês, parece que da área de engenharia. Eu esperava um foco muito forte na parte acadêmica, ou seja, muitas perguntas sobre meu projeto de pesquisa e histórico acadêmico. Porém concentraram as perguntas muito mais na parte capacidade de adaptação, se eu gostava de comida japonesa, se já tinha morado sozinho, essas coisas. Quanto a idiomas, foi quase inteiramente em uma mistura de português e japonês (apenas porque viram que eu tinha algum estudo no idioma) e uma pequena autoapresentação em inglês.

No geral a entrevista foi muito agradável, apesar da quantidade de perguntas. Três dias depois, em 21 de Junho, saiu o resultado: eu havia sido conseguido a aprovação do consulado.

Agosto/2010: período de busca pela aceitação de universidades japonesas. Na etapa que se seguiu, foi-me orientado que eu buscasse um professor orientador japonês para me providenciar carta de aceitação tanto dele quanto da universidade.

Eu já havia feito a triagem de professores com pelo menos um ano de antecipação, então havia chegado a hora de finalmente entrar em contato com eles. Depois de muito vasculhar o Japão por universidades que oferecessem pós-graduação bilíngue (inglês/japonês) em direito internacional, fossem as melhores no campo das ciências humanas e ainda por cima fossem nacionais (o termo que aqui nós usamos "federais"), cheguei às seguintes universidades (ufa): Kobe, Osaka, Nagoya, Tsukuba, Hitotsubashi e Tokyo. Dessas, consegui aceitação da Kobe University (a que eu realmente queria) e a da Nagoya University. O consulado aconselha que consiga pelo menos três cartas, mas se obtiver apenas uma está tudo bem.

Depois disso só me coube esperar até sair a aceitação final pelo MEXT em fevereiro de 2011. Após perguntar exaustivamente a todos os bolsistas que havia conhecido, todos diziam que nessa etapa já havia 99% de aceitação, era questão apenas de aguardar.

Contudo, especialmente nesse ano houve uma complicação inesperada. Devido a um corte orçamentário em junho de 2010, o MEXT teve que cortar cerca de 25% das bolsas que seriam oferecidas em 2011. Resultado: a minha foi cortada junto.

Fevereiro/2011: resultado final do MEXT. Nesse mês, no dia 21, recebi notícia de que minha bolsa não havia sido concedida, então bola pra frente.

Sendo que pouco menos de duas semanas depois, aconteceu o trágico terremoto seguido de tsunami na costa nordeste do Japão, provocando inclusive grave risco nuclear para boa parte do país. Apesar de ser bem distante da cidade que eu iria, foi um pouco aliviante saber que eu não iria para lá enquanto houvesse a possibilidade de uma catástrofe dessa magnitude. Porém, já estava me preparando para a seleção de 2011 quando na primeira semana de maio recebi uma ligação surpreendente.

Justamente devido à catástrofe vários aprovados pelo MEXT desistiram de ir, e acabou sobrando vaga para mim, que tinha ficado na repescagem.

Eis então o fator caos que eu havia mencionado anteriormente: para tirar a bolsa (o inesperado corte no orçamento) e para dá-la de volta (o terremoto), coisas que eu jamais esperaria e não estava de forma alguma nos planos, senão obscuras no espaço que cabia justamente ao elemento imprevisível da coisa toda. Faz parte.

Daí fiz os preparativos, tirei visto e aguardei a partida, agora não mais abril, mas outubro de 2011! Nesse tempo entrei na especialização da UFRN em direito internacional, prossegui com os trabalhos da OTAN na SOI 2011, dentre outras coisas.

Caso tenham interesse, muitas lacunas de informação daqui são cobertas no blog do André Kenji (ali nos links da barra lateral), que explica todo o procedimento detalhadamente. O próprio, por sinal, me ajudou bastante em todo o processo, juntamente com Marcelo Fukushima e Nicholas Bastos.

Atualmente estou estudando por aqui dentro do regime de bolsista pesquisador da Graduate School for International Cooperation Studies do International Law Program na Universidade de Kobe. Em outubro do ano que vem passarei pelo exame do mestrado para daí então começar para valer os estudos. Mas mais detalhes sobre meu regime de estudos colocarei em outro post.

No próximo post: To The End of The World.

Stage Unlocked


A partir de hoje estarei relatando neste blog passagens de minha rotina aqui em Kobe, Japão, como bolsista do MEXT. Como prometido, frequentemente e a muitos, e depois de muito reclamar de gente que viajava e não cuidava dos blogs que faziam, usarei este meu antigo blog para servir de canal para mostrar o que estou fazendo aqui e expressar minhas impressões. Tentarei ao máximo dispor de detalhes, fotos e vídeos daquilo que achar interessante e digno de ser publicado.

Mas antes, permitam-me uma breve digressão.

Desde muito tempo tive interesse em fazer intercâmbio. Conhecer outros países, outras pessoas, viver como elas viviam, ver como elas viam, e toda a poesia da coisa. Nunca tive um lugar específico em mente, mas iria aonde surgisse oportunidade, e, principalmente, se houvesse uma bolsa de estudos na jogada. Acontece que em meados de 2006 descobri no curso de japonês que havia uma bolsa de estudos oferecida pelo Ministério da Educação do governo do Japão (MEXT) disponível para aqueles que pretendessem completar seus estudos de graduação, pós-graduação, técnico e etc. em terras nipônicas. Interessado, investiguei mais a fundo e decidi: era essa que eu ia tentar. Daí então fui traçando um plano específico para ter sucesso no processo seletivo desta bolsa.

Acontece que nesse plano eu não poderia abrir mão do curso de japonês. Era meu diferencial, minha porta de entrada, meu trunfo para poder ter sucesso nessa empreitada. Como consequência, e por razões de conflito de horário, fora dos estudos não pude me dedicar a trabalhos remunerados, como os muitos estágios oferecidos aos estudantes do curso de Direito. Portanto abri mão de um maior conforto financeiro pessoal e experiência profissional para me dedicar exclusivamente a essa possibilidade. Considerei que, uma vez conseguisse alcançar esse objetivo, tudo o que viesse depois compensaria os sacrifícios que havia decidido fazer.

Porém, não era apenas isso. Desde o início meu foco era na carreira diplomática, e, apesar de ter aprendido a gostar muito de Direito, procurei manter esse foco até o final. Tanto que me dei liberdade para carregar comigo essas duas opções: tentar a pós-graduação na minha área em país estrangeiro ou estudo para o concurso de admissão do Instituto Rio Branco. Contudo, e dentro do contexto universitário de que fui parte, isso sempre foi considerado exótico, bizarro até. Muitos davam a entender que eu estava fazendo isso por um luxo pessoal, e não uma necessidade. Mas ainda que me tivessem como insensato ou apenas iludido, havia decidido desde o princípio de que era isso o que eu queria, numa vontade que beirava a obstinação. Até mesmo quando vez ou outra debati minhas escolhas com amigos, algumas vezes me apontavam que minha lógica não era assim tão infalível como eu julgava. Foram momentos importantes para que eu pudesse sempre estar pondo em perspectiva esse planejamento tão rígido.

O porquê de eu ter decidido por essas duas opções não irei explicar aqui. Acredito que merece um post próprio, talvez em um futuro próximo.

Por ter pretendido desde o início da faculdade por estes caminhos pouco convencionais e com poucos precedentes, especialmente em Natal, significava que eu teria de correr atrás e buscar a experiência de outros que conseguiram, e partindo disso inovar dentro de minhas próprias possibilidades. Então foi o que tentei fazer.

Agora, depois de anos, todo aquele planejamento que tracei do zero, construindo, derrubando, apagando, retomando, aperfeiçoando e avançando, finalmente deu o grande resultado esperado, embora que por vias inesperadas. Sempre procurei deixar espaço para o caos naquilo que planejava, e no final das contas, foi pelo caos que consegui concretizar meu objetivo. Essa história contarei no próximo post.

Contudo, preciso deixar claro aqui, e muito claro: não cheguei aqui sozinho.

Se estou aqui, para cada passo lá estava alguém ao meu lado, muitos e muitos alguéns que me ajudaram a por tijolo por tijolo dessa empreitada. Se procurei fazer a minha parte em todo esse plano foi porque alguém me apoiava e me dava estabilidade para prosseguir, sempre.

Eu obviamente não teria conseguido o que queria sem o apoio incondicional de minha família e de meus amigos. Devo tanto e por tantas coisas a eles que simplesmente não tenho como pagar senão com minha gratidão e apoio também incondicionais. E meus pais, em especial, que procuraram compreender desde o princípio minhas razões e decisões, e me ajudaram com tanta força que parecia que a escolha também tinha sido deles; que me proporcionaram tudo o que foi possível para que eu tivesse em mãos meios para fazer acontecer meus objetivos, que aguentaram minhas idiossincrasias e personalidade difícil e que sempre, sempre estiveram comigo. Muito obrigado a todos.

E a seguir, no próximo post: Uma Saga Chamada Monbusho.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Somewhere Far Beyond


I come in the name of my father, my mother and my sister;
I come in the name of my grandfathers, grandmothers, and those before them;
I come in the name of my uncles and aunts and cousins;
I come in the name of the friends who remained loyal;
I come in the name of the teachers who were masters;
I come in the name of everyone who made this possible;
I come in the name of my motherland.

I AM HALIS FROM NATAL, AND I COME AS MYSELF!

AND NOW I COME! I HAVE BEEN TRUE AND STILL CARRY THE TRUTH OF MY ELDERS

YOU SHALL OPEN TO MY HAND!



sexta-feira, 25 de março de 2011

50 Centavos

- Cê tem dinheiro?
- 25 centavos. E tu?
- 25.
- Super Nintendo hoje.
- É.

E assim vão os dois pivetes, um meio galego e magro, outro meio gordo e cabelo espetado. Vão subindo a rua cada um com sua moeda presa na mão.

A locadora era logo à frente, dobrando à esquerda. Era um galpão com fachada meio que misteriosa. Na placa, uma imagem do Homem-Aranha. No salão, TVs enfileiradas nos lados, cada uma com um videogame à disposição.

Paraíso.

- SNES?
- É.
- Quanto tempo?
- 50 centavos.
- 1 hora então. Termina às...10h17.
- Ok.

Os garotos sentam nos bancos e pegam os controles.

- Aquele de faroeste?
- Queria jogar Power Rangers.
- Dá tempo de jogar os dois.
- É né. Então faroeste.

Logo o jogo iniciava, e os garotos tentavam fazer os cowboys escaparem de uma manada de búfalos, para logo em seguida enfrentarem o boss, o xerife corrupto que atirava barris.

Depois vinha Power Rangers. O cartucho não quis pegar.

- É poeira.

Um deles assopra o pó da abertura do cartucho, já meio desgastado.

O jogo funciona.

Os garotos jogam. Morfam.

- Billy tem soco de viado.
- Hehehe.

Depois vinha Street Fighter. Ninguém escolhe Honda.

- Para de dar hadouken. Tá apelando já.
- Mas é o golpe dele.
- Tá apelando!

Um dos garotos fecha a cara, mas continua. O tempo já estava acabando.

Escolhem Chun-li.

- Olhe, dá pra ver a calcinha dela.
- Não tô vendo, onde?

Pausam o jogo. Realmente dava para ver a calcinha de Chun-li.

- Hehehehehehehehe.

O tempo acaba. Saíram da locadora, tristes e cabisbaixos. Subiam e desciam a rua, e já estavam na esquina de novo, onde era a casa de um deles e onde as crianças costumavam se reunir.

- Nada pra fazer né.
- É.

Segundos passam.

- Cê tem dinheiro?