sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Diário de um Barbudo

Hoje faz um mês e vinte e oito dias que não faço a barba. Longa jornada. O mais impressionante é que não sei explicar muito bem o porquê. As pessoas tentam, mas não ajudam muito. "Perdeu aposta?". "Virou revoltado?". "É promessa?". "Vai encenar Jesus Cristo, meu filho?". Bem, eu acho que é mais ou menos um pouco de cada coisa (menos a parte de Jesus). A melhor resposta que já dei, creio, foi quando disse que era uma "experiência estética".

É divertido, mas
assustador, ver a reação das pessoas. Tem gente que não liga, mas são poucos. A maioria faz sempre a mesma exclamação, meio pergunta, meio assombro: "Que barba é essa!?!?". Eles não vêem, mas eu rio muito por dentro. Não deles, mas da situação, claro. Haha.

Também tem aqueles agressivos, que só faltam me arrancar os cabelos do rosto, horrorizados como se isso fosse um crime bem punk, como, vamos ver, genocídio, ou coisa que o valha. "Vai tirar AGORA!". Quem mais se encaixa nesse quadro são alguns anciões da família e outros tão conservadores quanto.

Ah, mas também tem aqueles que gostam abertamente. Alguns são mais sinceros que outros, que gostam de incentivar as polêmicas. Mas, bem, fico sensivelmente mais feliz quando elogiam minha nova figura. E quem resiste a elogios? Eu não. Mas, infelizmente, para os fãs, ela já tem data para ir embora: 1° de Janeiro de 2009. Não chorem, ela volta assim que eu tiver disposto mais uma vez.

A parte mais interes
sante é a investigação sociológica (soou petulante, mas foi sem querer). Barbudo, consigo fazer breves considerações sobre o comportamento humano que de outro modo não poderia. Eu realmente gostaria de citar novidades e grandes elucubrações de meu pequeno pseudo-estudo, mas eu não as tenho. Agora. Após um período de férias da experiência e do flerte com a maturidade visual viking, talvez faça considerações especiais por aqui mesmo, pra quem quiser ler.

Para finalizar, uma frase que achei bastante conveniente e, por que não, lisonjeira:


"A man with no beard is half a man!"



segunda-feira, 24 de novembro de 2008

It's All About Music

Acredito que a música molda a personalidade.

Sim, e o faz de maneira impressionante e bastante perceptível, para aqueles que prestam atenção. Não estamos falando de classificações e tribos urbanas, como, "forrozeiros", "metaleiros", "sertanejos", e coisas afins. Falamos da função primordial da música, que é a de nos fazer sentir bem, independentemente do tipo de música que ouvimos. As escolhas que fazemos em relação à tudo aquilo que adentra pelos nossos ouvidos nos fazem pessoas, no mínimo, mais diferentes, e isto repercute não apenas dentro de sua própria cabeça, mas também no seu círculo de contatos sociais, e até mesmo em sua saúde mental.

Falemos, pois, de algumas considerações genéricas. Em primeiro lugar, se você gosta de ouvir um tipo A de música, é provável que você também se relacione com pessoas que também gostem de ouvir A. Dessa forma, a probabilidade de vocês irem à um evento ou ambiente em que a música A seja freqüente é bastante considerável. E é, dentre outras coisas, à partir dos lugares que você freqüenta e das pessoas com quem você anda que sua personalidade vai sendo construída.

Quando alguém fala que é eclético, e que ouve de tudo, minha primeira reação é de descrença. Simplesmente porque se tudo entra em seu ouvido, e você a tudo gosta, então ou você é completamente indiferente à música (coisa, devo dizer, bastante triste), ou você realmente tem um ouvido que é um terreno baldio. Claro que existem pessoas maravilhosamente ecléticas, mas até para elas existem limites. Inclusive, considero muito interessante conhecer pessoas com uma vasta biblioteca musical na cabeça. Mas dizer "Sou eclético, gosto de forró à axé, de pagode à funk", perdão, mas isso não é bem o que se pode chamar de eclético...

Há ainda aqueles com instintos tribais e fanáticos, que só ouvem um único tipo de música, e de quebra, ainda menosprezam e até odeiam as demais. Isso é comum, e só pra citar um exemplo, prático, alguns entre os "metaleiros", que se autoproclamam como tal e tecem sanguinárias críticas à gêneros musicais mais populares, como o pagode. Ok, o inverso também existe, mas só pra alertar os simpatizantes: gosto muito de ouvir metal. Não ouço com freqüência músicas de pagode. Mas, já ouvi muito heavy metal horrível, e músicos de pagode realmente admiráveis. Na dúvida, ao invés do rótulo, escolha a boa música, que há em todos os campos. É bom não deixar que a má música feita sob um ou outro rótulo deixe uma má impressão generalizada; assim como poucas coisas no mundo são absolutas, certamente a necessariedade da relação entre gênero e qualidade musical também não o é.

E o que é boa música? Creio que seja o tipo de música que você ouve que atiça ou não sua imaginação, que te traz sensações e energias que tipos B ou C não provocam. E é justamente essa explosão de energia musical que te faz gostar do tipo A ou B. Certamente, nem sempre é tão violento quanto uma explosão, pode ser através daquela tranqüilidade cerebral, aquele gosto de quero ouvir de novo, ou mesmo a terna sonoridade da boa música. Tanto faz. Tanto faz também o tipo de música. Pode ser A, B, C, ou mesmo BCA ou ACB, misturando tudo, porque eu acredito que, o que de fato importa, não é propriamente aquilo que se escuta, mas sim o quanto ela te faz ir do êxtase ao desespero, da angústia à euforia, da saudade à obstinação: afinal de contas, é a música a mais intensa das artes.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Discurso, Verdade e Poder: A Sociedade Japonesa na Segunda Guerra Mundial


Teorizar acerca das estruturas que permitem ao discurso o poder que lhe é inerente reforça a idéia de que a essência da verdade em si se encontra amplamente acorrentada à idéia de convenção social e reinvenção do que é verdadeiro a partir de uma transformação social. Diz-se que a história é escrita pelos vencedores, e sendo assim, partindo-se do pressuposto de conflito de classes permanente da civilização humana (segundo os teóricos do socialismo Marx e Engels) e da concepção de que a história propriamente dita nada mais é que uma constatação de fatos, podemos refletir sobre a mudança que pode ser apontada para o caráter de verdade no movimento do fluxo histórico.


O detentor do poder econômico molda o modelo de verdade que deve ser adotado por todos os grupos, levando assim a uma reconstrução de dogmas sociais a cada período revolucionário. O poder da palavra advém do modo como o processo histórico é reescrito no decorrer dos anos, fornecendo às gerações futuras conhecimento, de modo algum holístico, mas bastante parcial com relação à determinada época, provocando a quebra de uma verdade que seria mais pura e originando um estilhaço da verdade refletindo a parcialidade do discurso.

Os grandes conflitos da humanidade são povoados de discursos unilaterais que regem os sistemas de cada parte envolvida, um universo multipolar de verdades absolutas corroídas pelo desejo de poder e dominação. O principal objetivo desse totalitarismo verbal nada mais é que um foco na ação dos indivíduos que compõem a nação de forma a direcioná-los de acordo com os objetivos desejados por aqueles que detêm o poder do discurso, e, por conseguinte, o poder de criar uma verdade, mesmo que numa visão mais ampla da situação ela se mostre falsa. Discernimento para diferenciar tais opostos é, de fato, um caminho deveras complexo, permeado de dúvidas e desilusões.

Dentro do contexto da Segunda Guerra Mundial, um dos mais catastróficos exemplos bélicos da história do homem, surgem dois pólos dualistas de confronto: o nazi-fascista, encabeçado pelo eixo Itália, Alemanha e Japão; e o democrático, liderado pelos Estados Unidos, França e Grã-Bretanha. A sociedade japonesa, nosso atual objeto de estudo, situar-se-á nesse período conturbado de trevas, onde a iminência de armas de destruição em massa e uma nova onda ideológica assombravam as nações.

No final do século XIX o Japão vivia os últimos resquícios do feudalismo e da política de isolamento imposta pelos Tokugawa, quando da derrocada do Xogunato e ascensão dos Monarquistas (estes defensores do Imperador e de uma abertura do país ao Ocidente). Com o Imperador Matsuhito instaurando a Era Meiji, logo após a derrota dos xoguns e dos daimiôs, iniciou-se uma nova era para a nação nipônica, visto que a influência ocidental foi de grande importância para tais transformações.

Em tese, o povo japonês, diante da modernidade em vários aspectos do Ocidente, desejava alcançá-lo a fim de configurar-se no mais alto patamar da hierarquia mundial. Em outras palavras, o senso hierárquico de tal povo era forte o bastante para dar a cada elemento o seu devido lugar, respeitando a ordem do superior por sua demasiada responsabilidade e exercendo o papel de tutor ao seu inferior; buscava, baseado em seus ideais nacionalistas, ser líder dentre as grandes nações. Apenas através de uma política de conquistas pretendiam alavancar o Japão como uma potência a partir de atos bélicos como a invasão da Coréia, de Taiwan, e da região da Manchúria nas primeiras décadas do século XX.

Sob essa perspectiva, podemos considerar, então, que o perfil do governo japonês assemelhava-se nos quesitos de alto nacionalismo e desenvolvimento armamentista aos dos contemporâneos governos fascistas (como Hitler, na Alemanha, Mussolini, na Itália, e Franco, na Espanha), embora em seus objetivos se diferenciarem destes profundamente. Envoltos pelo discurso de grandeza, partiram para um lugar, seu “devido lugar”, na esfera global, mesmo que isto inferisse no conflito armado com outros povos (como os coreanos e chineses). É em tal ambiente psicológico que se encontra a sociedade japonesa pouco tempo antes da eclosão da Grande Guerra.

Dadas as informações supracitadas, partamos agora para uma análise mais detalhada das funções do poder e da força verbal. Mesmo durante as guerras civis envolvendo os exércitos leais ao xogun e os monarquistas, havia uma grande confusão acerca dos objetivos e das motivações de cada lado. Inverdades e falsas informações eram disseminadas em cada extremidade como verdades íntegras de valor e sentido, fornecendo margem ao ódio e à fúria. Ora, que melhor combustível poderia inflamar ainda mais o sangue de um homem que aquele da palavra envenenada? A manipulação do poder, e do que constituía de fato o poder em si, era uma questão chave para o sucesso de qualquer dos lados. O manejo de um discurso correto significava um grande passo rumo à vitória.

A partir do momento em que o Imperador passou a ser um simples fantoche nas mãos de um líder militar (o xogun), o jogo de palavras acentuou-se ainda mais, descaracterizando a figura sacra do descendente direto da grande deusa Amaterasu como apenas um enfeite belo e santo no topo de todo o Japão. A verdade dos deuses, repassada ao Imperador, e concedida ao xogun por meios misteriosos, pois, na meta de preservar a figura do líder religioso, o líder militar assumia a responsabilidade para com os assuntos considerados “mundanos”, agarrando para si o poder de governar uma nação em nome do Imperador. Controle do poder, exercício de soberania, pois, apenas com o domínio das palavras sagradas e do discurso valorativo pôde se alcançar o nível de concentração de posses que caracterizou o Xogunato. Com o advento de Commodoro Perry, da marinha americana, e sua ameaça aos portos de Kyoto tempos depois, forçando a abertura destes, iniciou-se o processo que culminou com as diversas batalhas que levariam ao fim do feudalismo e início da Era Meiji.

Chegando, enfim, ao período ativo do Japão durante a Segunda Guerra Mundial, percebemos um fato extraordinário que não há de se deixar passar em branco. Muito se aclama acerca dos kamikaze que devotavam sua vida ao bem do seu país. Contudo, ressaltemos que o senso de consciência de coletividade dos japoneses é um caso raro na história, pois reflete uma enorme homogeneização, resultando na maior facilidade de canalização de ideologias e vontades. Junte-se a isso a noção rígida de hierarquia, e presenciamos um exército de praticamente autômatos prontos a realizarem sua missão, sem ao menos duvidar do por que disso ou daquilo e fornecendo uma via mais poderosa para a efetividade de uma ordem superior. A verdade de poucos, mesmo que inapta e decadente, acaba por decidir o destino de muitos sem que estes sequer questionassem tal verdade, procurando varrer da mente aquilo que nos faz tão humanos, que é a própria dúvida. A palavra do superior, absoluta acima de tudo, embora partindo de um ser imperfeito e submetido a erros de formulação e a emotividade humana. Afinal, que verdade haveria de ser posta aos olhos daqueles que lutam senão a verdade de seu próprio lado? E se fosse mostrada mais de uma, o que iria curar o princípio da incerteza, fatal numa guerra? Será que, para tais pessoas, não existiria uma única verdade, pura e simples? Que verdade não haveria de parecer absurda senão aquela que lhes foi imposta?

A concepção de verdade revela apenas a fragilidade dos conceitos humanos ante o mundo que o circunda e as relações que desempenha entre si próprio e o indivíduo com quem interage. Mentiras e falsidades podem ser verdades, e o inverso também recíproco. Qual a referência para isso? Com que certeza podemos distinguir verdades e mentiras? E, mais do que isso, por que às vezes damos nosso sangue em prol daquilo em que acreditamos piamente, mesmo sem pensar se talvez isto não seja tão certo? E de certa forma, quem somos nós para criticar a posição tomada por outrem ante sua própria concepção do verdadeiro?

A dúvida nos ensina a caminhar com o nosso pensamento. Duvidar de tudo nos torna céticos, duvidar de nada nos torna ingênuos. Duvidar apenas, eis algo que pode ser pensado com coerência. Contudo, apenas este ato, e toda a convicção de um soldado que está frente a frente com o inimigo poderá se esvair em um segundo, assim como o término de sua própria existência. Daí a grande importância de um discurso único, forte, de verdade imbatível, simples e, portanto, insofismável. A diferença entre viver e morrer apenas embasada em uma crença talvez até infantil, mas se inabalável, capaz de levar uma nação inteira à vitória.

Diante dessa capacidade intrínseca ao valor do discurso, a linguagem nos torna subservientes a ela e engloba também o que nos torna aptos a ver o mundo. Foi apenas através da escrita que pudemos transmitir pelos séculos nosso conhecimento e vivência enquanto seres humanos sem nos desvirtuar tanto o quanto nos proporcionaria uma transmissão verbal.

Quando, na frente de batalha, ocorria uma derrota, os meios de comunicação prontamente assumiam que as autoridades responsáveis já haviam calculado e previsto que tal fato viria a acontecer, explicitando também que providências cabíveis já estariam sendo tomadas (mesmo quando, na maioria das vezes, tal coisa tenha sido totalmente inesperada). Até mesmo na mais crucial das derrotas, isto ocorria, e os que recebiam tal informação acreditavam (a fonte da informação, se do governo, conferia um status de superioridade, e, portanto, alta hierarquia). Isso, de fato, auferia segurança, bem inestimável em tempos de guerra. O que teria acontecido se toda a verdade fosse revelada? O valor da verdade pura nem sempre é benéfica, quando daí tiramos a conclusão de que até mesmo as mentiras são necessárias, tanto quanto a própria verdade. Portanto, que haveria de discurso sem a não verdade? Sem um oposto para fornecer-lhe um antagonismo, será que existiria verdade de fato, ou apenas o que é em si, sem julgamentos axiológicos em torno dele?

Retornando ao motivo citado inicialmente, o medo, este o pior dos inimigos, de perder o controle, de estar diante de algo, acima de tudo, desconhecido, não seria a maior derrota de todas? Quão sábia foi a atitude da mídia oficial ao relatar-lhes isso de tal modo? O poder da palavra vem principalmente do grande sentido destas: palavras são conceitos, e conceitos são visões limitadas de uma realidade abstraída. Se no discurso as palavras são as chaves para a transformação da realidade, são, também, as portas para a delimitação de um sentido real e, na lógica humana, verdadeiro. Em suma: palavras são verdades dispostas, deliberadamente ou não, em um sistema denominado linguagem.

Com a derrocada do Eixo, ao Japão foi forçada a rendição, e o ataque de duas bombas atômicas de terrível efeito ao arquipélago. O Imperador perdeu seu status de divindade na Terra e passou a agir de acordo com uma constituição pré-ordenada pelos Estados Unidos da América. Foi também coagida à devolução das terras tomadas antes à Guerra, e severamente limitado seu contingente militar. A partir de então, uma nova identidade se aplicava à nação japonesa, quando os EUA ofereceram-lhe o Plano Colombo de ajuda financeira. Seu caráter capitalista começaria a ser desenvolvido.

A história, de fato, é escrita pelos vencedores. O discurso ocidental americano saiu vitorioso, e suas verdades foram aceitas. Suas concepções e seu estilo de vida, assimilados. Sua glória legitimou suas ideologias e conceitos, manifestando-se através de sua cultura e sociedade. O poder estava, agora, em suas mãos, a genuína força motora de um novo mundo. O que haveria de mudar se as coisas não tivessem corrido dessa forma? E se o outro lado tivesse vencido? É certeza que os perdedores sofreriam o mesmo processo esmagador que ofereceria a imposição de uma ordem similar. Verdades por outras verdades, mentiras por outras mentiras, discursos por outros discursos, tudo haveria de mudar, embora não em essência conceitual. Contudo, o único elemento que jamais sofreria um único espasmo em seu âmago seria o sentido de poder. O poder que sobrepuja e cunha o que deve ou não ser verídico, e naturalmente, o que deve ou não ser falado: o discurso do poder em si.

BIBLIOGRAFIA

BENEDICT, Ruth. A Espada e o Crisântemo. Ed. Perspectiva, Coleção Debates, 1986.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 11ª Ed. Editora Ática, 2000.
FOULCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Ed. Gallimard, Paris, 1970.
NIETSZCHE, Friedrich. Sobre a verdade e mentira no sentido extra-moral. 2ª Edição. In: Coleção Os Pensadores, 1978.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O Monstro Eleitoral

A democracia tem coisas certamente tão complexas quanto incompletas...parece coerente dar abertura à candidatura de todo e qualquer tipo de [supostos] representantes das comunidades locais. Mas não é.

Obviamente, não há de se falar aqui em impor restrições grotescas ou limitações do gênero, mas acredito que seja um dever dos partidos políticos selecionarem com um critério mais rigoroso os candidatos a vereadores que defenderão as cores da organização. De outro modo, como é o caso, o que algumas vezes, a princípio, tem o objetivo de parecer propositadamente jocoso e, pasme, contestador, acaba por sujar a imagem do cenário político como um todo com figuras de diversão e chacota.

Não tenho lá muita experiência política, mas creio que este definitivamente não é o caminho certo para se solidificar a desejada seriedade política. Ou será que é, e eu não sei? O caso é que, com essa vasta "seleção" de candidatos despreparados até para divulgar suas possíveis propostas , quando raramente as tem, no mínimo podemos dizer que é bastante duvidoso o papel que desempenharão, caso consigam ser eleitos.

No mais, em 90% do tempo do horário eleitoral na TV, ou rimos, ou choramos. E como ninguém aqui costuma derramar lágrimas pela política local, contentemo-nos com o show de humor que só os nossos candidatos podem oferecer.

terça-feira, 22 de abril de 2008

O Monstro Jurídico

Tristeza maior é ver o homem dominado pela sua própria regra, feita para controlar a bestialidade inerente a cada indivíduo, mas agora transpassando as barreiras de sua função original e acorrentando também a parte melhor que há, e a impede de florescer.

Quando foi que nos esquecemos que acima de tudo isso há os nobres sentimentos que ainda existem enquanto os humanos permanecerem como seres vivos?

Se há regras para ater os vícios da humanidade, por que deixamos que elas se estendam também às virtudes? Quando foi que deixamos findar sonhos dos mais variados em nome de uma estabilidade cinzenta? Quanto de cada parte de nós sacrificamos em nome de uma independência ilusória?

Por favor, não permita que a lei atrofie seu senso de justiça, nem que o maquinário burocrático emperre a sua moral, ou que especialistas levem-no a abandonar sua ética pessoal, ou "aquilo que você faz quando quer que as pessoas ao seu redor se sintam mais e melhor".

Não deixe a ficção jurídica obscurecer o valor do que verdadeiramente tem valor; "tudo pela segurança jurídica" é algo totalmente inválido se não há em mente a verdadeira importância daquilo que realmente devemos proteger, ou então será tarde demais.

Que tipo de prisão foi essa em que nos metemos? Que redemoinho sem volta foi esse que nos força a esquecer de nossa própria humanidade e mutilá-la em tantos pedaços a fim de alcançar objetivos discutíveis? Que fascínio é esse que exerce a regra sobre nós, desviando-nos do objeto focado pela sua finalidade?

Ora, pois, se até o amor é inconstitucional, que podemos mais fazer, a não ser sermos engolidos pela própria máquina que inventamos? Por que as pessoas perdem de vista algo tão importante?

Sim, isto é um clichê. E assim o será, até que deixe de sê-lo...a utopia é sempre utópica, mas sua mera tentativa terá sempre o rótulo de realização.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

1988: Uma Odisséia Constitucional

Costuma-se dizer que, a cada duas décadas na vida de uma pessoa, ocorre um momento de epifania e reflexão sobre como tudo tem sido levado até então. Uma espécie de crise psíquica, regada a tons de depressão e ansiedade. O julgamento do passado até o presente, e das possibilidades do que haverá de ser o futuro, é inevitável. Dúvidas se multiplicam e, por vezes, apavoram. Após esse lapso de questionamento, diz-se que ocorre um salto qualitativo, evolucionista, ou, pelo menos, é o que deveria acontecer. Coincidentemente, é também a cada vinte anos que se inicia uma nova geração.

Todo este simbolismo é curioso, e apenas procura ilustrar e eivar com certa importância uma data que tende a ser especial. Decerto, é chegado um período de transformações visíveis e determinantes. A Constituição de 1988, desde seu nascimento, foi discutida à exaustão, interpretada e reinterpretada, emendada, aplicada e não aplicada. Estudada, dissecada, criticada, elevada aos céus, retalhada. É natural. São os vinte primeiros anos, aqueles em que os conflitos trazem à tona fraquezas das vontades constituintes e onde os alicerces do texto constitucional são testados a ferro e fogo na tempestade social. São anos que parecem tantos, mas na verdade são tão poucos. Intensos, vorazes, mas poucos.

Há efeitos que só sobrevêm com o tempo. E não falamos da concretização de normas programáticas, mas de algo mais sublime: o sentimento constitucional. Porque, no princípio, não há como havê-lo, a médio prazo ele é, se muito, incipiente, mas há um estágio em que sua visibilidade é iminente. E, creio, esta fase está em vias de ocorrer, agora que estamos prestes a atravessar seu limiar profundo e significativo.

Após anos a fio debatendo sobre aspectos ontológicos, deontológicos, principiológicos, axiológicos, normativos e hermenêuticos, já podemos dizer que obtivemos um arcabouço suficientemente sólido para a partir de agora alçar vôo a uma nova espécie de instituto material da Constituição. Se ela, em sua origem, teve sua materialidade refinada no dito espírito constitucional do povo a que se destina, é chegada a hora, pois do feedback, em que a massa nacional irá absorver de volta tudo aquilo que uma vez originou filtrado pelas redes da Carta Magna. É o surgimento de uma dialética constitucional, e com ela o advento do sentimento que se torna essa reabsorção de valores, quando, adentrando no sujeito, liberta-se de seu invólucro normativo para se tornar elemento primordial para a construção de novos paradigmas consuetudinários.

É nesta reintegração ao indivíduo que desponta o significado de sentir a Constituição, este novo verbo que vem ao lado do acostumar-se com uma cultura de Constituição, cuja existência e desenvolvimento se arraiga com o passar das gerações. Se em 1988 o constituinte tinha crescido em um determinado tipo de ambiente humanístico, e em sua obra aplicou o fruto de sua própria construção como ser humano, hoje já é outro, e assim o é as pessoas a quem a Carta Maior se dirige. As novas gerações, ao invés de tornar anacrônico o texto constitucional, pelo contrário, rejuvenescem-no e lhe aprimoram o sentido, posto que nelas já nascem em si mesmas a fonte material da Constituição de maneira natural no decorrer de seu crescimento em sociedade.

Expondo de maneira prática, podemos dizer que a vivência social com as farpas dos litígios judiciários, o acesso mais generalizado do “por que” e do “como” dos direitos que cabem a cada um, a publicização mais ampla das leis e razão de ser delas, dentre outros acontecimentos, estão sempre edificando com experiências boas e más a consciência jurídica do cidadão. Aos poucos vão compondo fragmentos constitucionais na rotina das pessoas, que já incorporam em seu diálogo, mentalidade e relações sociais um pouco da norma superior e provocando uma lenta e progressiva construção de uma cultura jurídica verdadeiramente constitucional. A grosso modo, seria um processo inverso ao da common law anglo-americana, e, sendo assim, o costume nasce a partir da norma fundamental pré-estabelecida que deságua sobre os indivíduos pela convivência entre si e com a própria norma.

Seria imprudente, contudo, afirmar em quanto tempo isto irá ocorrer em dimensões maiores e mais amplas, embora já possamos afirmar com relativa segurança que já acontece e proporciona interessantes observações nesta virada de geração, a primeira depois da Constituição de 1988. Por outro lado, é com maior certeza que podemos decidir que é de grande relevância, e acima de tudo, de extraordinária necessidade, pois a absorção de valores constitucionais é um caminho muito natural e viável para um possível salto cultural sem precedentes e extremamente benéfico para o avanço da sociedade brasileira.


(Texto originalmente redigido como requisito de inscrição para a Simulação de Tribunais Constitucionais do Curso de Direito da UFRN de acordo com o tema "20 Anos da Constituição da República Federativa do Brasil".)

segunda-feira, 24 de março de 2008

Jamais serei um gênio

Dediquei-me superficialmente a diversas artes, das simplíssimas às clássicas, mas a habilidade excepcional exige uma fidelidade plena que não posso dar. A genialidade escolhe apenas aqueles que podem se dedicar por completo à sua arte. É como o visionário que enxerga centenas de matizes diferentes de azul, mas ignora por completo a diferença do vermelho para o verde.

Se para alcançar a completude de uma única arte eu precise abandonar todas as outras, então prefiro ser incompleto, mas ainda assim, inteiro.

Jamais serei um gênio.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Da Fenomenologia do Julgamento

1. Considerações

Julgar algo é lançar sobre determinado objeto um juízo de valor estabelecido antes (pré-juízo) ou depois (pós-juízo) de se tomar conhecimento deste objeto; é a avaliação das propriedades subjetivamente relevantes do objeto, movida pela necessidade de se adotar uma postura ou conduta específica. É sobretudo uma conjectura, uma suposição, um posicionamento que, diferente dos outros, advem com graus de responsabilidade sobre a conclusão ou resultado do julgamento.

2. Da fenomenologia do julgamento

Julga-se prioritariamente aquilo que já se conhece, mesmo que seja apenas a idéia do objeto. É, a priori, impossível que se julgue um objeto desconhecido, posto que para que haja aplicação da valoração subjetiva deve haver consciência da existência do objeto. Caso o objeto exista de fato, e o observador não o conheça, a condição de inexistência do objeto permanecerá, mesmo que seja um status válido apenas para o observador.

Contudo, sob uma perspectiva ôntica do objeto, e remetendo-nos a certos conceitos fenomenológicos, é impossível julgar o objeto pelo que ele verdadeiramente é, ou seja, a partir de sua natureza ontológica. Desconhecemos a essência do objeto, pautando-nos apenas na interpretação do modo como o objeto normalmente é, ou existe (dasein¹). Dado que a mutação, como característica natural da existência, sujeita tanto objeto quando observador, então um objeto que se julgue agora, em outro período de tempo já não será mais o mesmo, muito menos o próprio julgador, e consequentemente, o julgamento feito já não poderá prevalecer de maneira absoluta.

3. Conclusão

Podemos julgar apenas um determinado estado do objeto, e nunca o objeto em si. Sobre o nosso julgamento incide os conflitos de nossa própria interpretação, encharcada da subjetividade latente do julgador. O modo como o objeto existe e a as turbulências da hermenêutica do julgador se conjugam para construir a realidade, do ponto de vista do observador. A heterogeneidade e interação de realidades constituem o mundo visualizado pela sociedade. A realidade do mundo é uma produção cultural, portanto.

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¹ Ser-a-cada-momento ou de-cada-vez (Heidegger).

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O Nintendinho

Quando eu falo que já tive um Nintendo Entertainment System ninguém entende.

Obviamente, acho que falo apenas pra enrolar as pessoas e por alguns segundos fingir que já tive algo misteriosamente importante. Depois, mudo o discurso. "Você sabe, o nintendinho". "Aah, devia ter falado logo". É, eu sei.


Foi de uma viagem que meu pai fez a São Paulo, em 94. Ele havia me ligado, dizendo que traria um presente, e pediu pra que adivinhasse. Depois de quinze tentativas, mereci um "agora deixa eu falar com sua mãe". Na verdade, nunca tinha tido muito contato com video-games, então me parecia algo além das possibilidades.

O Nintendinho era uma graça. Não é à toa que as pessoas chamam por esse nome tão carinhoso e íntimo, afinal, foi o primeiro console da Nintendo. Com sua capacidade fenomenal de 8-bits, era uma maravilha digital. Veio junto com um jogo de avião, que não lembro o nome. Tinha que destruir os tanques. Hm, acho que não lembro muito, pra falar a verdade. Logo comecei a alugar fitas pra variar um pouco...Street Fighter (sim, o primeiro!) e Super Mario Bros (o primeiro também!) eram sensações.

Mas ele quebrou. Primeiro foi o controle, que não funcionava mais. E só tinha um. Esperando para comprar outro controle, acabei passando os tempos livres indo a locadoras jogar no recém-lançado Super Nintendo, e me fascinei por seus 18-bits ultramodernos. Acabei esquecendo do meu velho Nintendinho, que esperando o conserto viu sua existência relegada a um ostracismo cruel, dentro de uma caixa qualquer. E não vi quando ele foi jogado fora.

Mas então veio o PlayStation. E o Nintendinho ficou para sempre esquecido.